Estatuto do Preso: Direitos e Deveres Previstos na LEP
O Estatuto do Preso é um conjunto de normas previstas na Lei de Execução Penal (LEP – Lei 7.210/1984) que regulamenta os direitos e deveres das pessoas privadas de liberdade no Brasil. Estas disposições legais garantem que, mesmo em situação de encarceramento, o indivíduo mantenha sua dignidade e tenha acesso a direitos fundamentais, enquanto cumpre suas obrigações dentro do sistema prisional. A legislação estabelece uma série de garantias que visam não apenas punir, mas também ressocializar o apenado.
O que é o Estatuto do Preso?
O Estatuto do Preso não é uma lei separada, mas sim um conjunto de dispositivos contidos na Lei de Execução Penal que estabelecem diretrizes para o tratamento dos detentos no sistema prisional brasileiro. Seu princípio fundamental está expresso no artigo 3º da LEP, que determina: “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.” [1]
Este princípio reforça a ideia de que a pena restringe apenas a liberdade do indivíduo, não devendo afetar outros direitos fundamentais. A aplicação destes dispositivos busca humanizar o cumprimento da pena e preparar o condenado para o retorno à sociedade.
Direitos Fundamentais dos Presos
A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 5º, estabelece direitos fundamentais a todos os cidadãos, incluindo aqueles em situação de prisão. O inciso XLIX assegura especificamente “aos presos o respeito à integridade física e moral” [2]. Este dispositivo constitucional é a base para diversos direitos previstos na LEP.
Direito à Assistência
Conforme o artigo 10 da LEP, “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” [2]. Esta assistência se desenvolve em diversas áreas:
Assistência Material: Compreende o fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas adequadas [3]. O Estado tem o dever de garantir condições mínimas de dignidade nos estabelecimentos prisionais.
Assistência à Saúde: Inclui atendimento médico, farmacêutico e odontológico, tanto preventivo quanto curativo. Em casos de impossibilidade de tratamento na unidade prisional, o detento tem direito a atendimento em estabelecimento externo.
Assistência Jurídica: Para presos sem recursos financeiros, o Estado deve fornecer assistência jurídica integral e gratuita, geralmente prestada pela Defensoria Pública.
Assistência Educacional: Compreende a instrução escolar e formação profissional do preso, sendo o ensino fundamental obrigatório. A educação é um importante instrumento de ressocialização.
Assistência Social: Visa amparar o preso e prepará-lo para o retorno à liberdade, incluindo o acompanhamento de sua família durante o cumprimento da pena.
Assistência Religiosa: É garantida a liberdade de culto, permitindo-se a participação em serviços religiosos e a posse de livros de instrução religiosa.
Outros Direitos Específicos
O artigo 41 da LEP estabelece uma série de direitos específicos aos presos, que incluem [5]:
Alimentação e vestuário: O preso tem direito a receber alimentação suficiente e vestuário adequado.
Trabalho e remuneração: O trabalho do preso deve ser remunerado, não podendo ser inferior a 3/4 do salário mínimo. Além disso, o preso tem direito à previdência social e à constituição de pecúlio.
Visitas: É assegurado o direito de receber visitas do cônjuge, companheira, parentes e amigos em dias determinados, embora este direito possa ser restringido por motivo de segurança.
Contato com o mundo exterior: O preso tem direito a entrevista pessoal e reservada com seu advogado, bem como correspondência com familiares e amigos.
Tratamento digno: Inclui o chamamento nominal, a igualdade de tratamento (salvo quanto às exigências da individualização da pena), e a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo.
Direitos Especiais das Mulheres Presas
A Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º, inciso L, que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” [2]. A LEP e outras legislações complementares estabelecem garantias adicionais para mulheres gestantes e mães no sistema prisional.
Estas mulheres têm direito a acompanhamento médico especializado durante a gestação e o pós-parto, bem como a berçários nos estabelecimentos penais para abrigar crianças de até 6 meses de idade. Há também a possibilidade de cumprimento de pena em regime domiciliar para gestantes e mães de crianças de até 12 anos, conforme decisões recentes do Supremo Tribunal Federal.
O Trabalho do Preso
De acordo com o artigo 31 da LEP, “o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade” [1]. O trabalho no sistema prisional possui dupla função: é ao mesmo tempo um dever e um direito do preso.
A jornada normal de trabalho não pode ser inferior a 6 nem superior a 8 horas, com descanso nos domingos e feriados. Além disso, o trabalho do preso deve considerar sua habilitação prévia, condição pessoal e necessidades futuras, visando sua reinserção no mercado de trabalho após o cumprimento da pena.
Uma importante característica do trabalho prisional é seu potencial para remição de pena: a cada três dias trabalhados, o detento tem direito à redução de um dia em sua pena.
Deveres dos Presos
Assim como têm direitos, os presos também possuem deveres a serem cumpridos durante o período de encarceramento. A LEP estabelece diversos deveres que visam manter a ordem e a disciplina no ambiente prisional, bem como preparar o detento para o convívio social.
Entre os principais deveres dos presos estão:
Comportamento disciplinado: O detento deve manter conduta disciplinada e cumprir fielmente a sentença.
Obediência ao pessoal penitenciário: É dever do preso acatar as ordens dos agentes penitenciários e demais autoridades.
Higiene pessoal e do ambiente: O preso deve zelar pela higiene pessoal e conservação de seus objetos de uso pessoal, bem como das instalações da unidade prisional.
Trabalho: Como já mencionado, o trabalho é tanto um direito quanto um dever do condenado, sendo obrigatório para os presos condenados (exceto em casos específicos) e facultativo para os presos provisórios.
Conduta respeitosa: O preso deve manter conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou indisciplina.
Indenização por danos: O condenado deve indenizar à vítima ou seus sucessores pelos danos causados pelo crime, bem como ao Estado, quando possível, pelas despesas com sua manutenção.
Proteção Contra Tortura e Maus-Tratos
A Constituição Federal proíbe expressamente a tortura e o tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), garantindo aos presos o respeito à sua integridade física e moral [7]. A LEP reforça esse direito em seu artigo 40, impondo a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
O preso que sofrer tortura ou maus-tratos tem direito à proteção imediata e integral, podendo denunciar tais violações às autoridades competentes, como o juiz da execução penal, o Ministério Público, a Defensoria Pública, ouvidorias do sistema penitenciário e órgãos de direitos humanos.
Desafios na Aplicação do Estatuto do Preso
Apesar das garantias legais estabelecidas na LEP, a realidade do sistema prisional brasileiro frequentemente diverge do ideal normativo. Superlotação, condições insalubres, falta de assistência adequada e violência são problemas recorrentes que dificultam a efetivação dos direitos dos presos.
A implementação efetiva do Estatuto do Preso enfrenta desafios estruturais, orçamentários e culturais. A sociedade muitas vezes resiste à ideia de garantir direitos a pessoas que cometeram crimes, o que dificulta a destinação de recursos e a implementação de políticas públicas adequadas.
No entanto, é importante ressaltar que o respeito aos direitos dos presos não significa impunidade ou regalias indevidas. Trata-se de garantir condições mínimas de dignidade humana e oportunidades de ressocialização, o que beneficia não apenas o detento, mas toda a sociedade, ao reduzir as chances de reincidência criminal.
Conclusão
O Estatuto do Preso, representado pelo conjunto de normas da Lei de Execução Penal, estabelece um equilíbrio entre direitos e deveres dos presos, buscando humanizar o cumprimento da pena sem deixar de lado seu caráter punitivo e ressocializador.
A garantia dos direitos fundamentais às pessoas privadas de liberdade não representa apenas um imperativo legal, mas também ético e pragmático. Um sistema prisional que respeita a dignidade humana e oferece oportunidades de reabilitação contribui para a redução da criminalidade e para a construção de uma sociedade mais justa e segura.
Para que o Estatuto do Preso não se torne letra morta, é necessário o compromisso conjunto do Estado e da sociedade na implementação de políticas públicas efetivas, na fiscalização do sistema prisional e na promoção de uma cultura de respeito aos direitos humanos, mesmo daqueles que, em algum momento, violaram a lei.