O Impacto da Lei nº 13.964/2019 no Estatuto do Desarmamento: Mudanças e Implicações do Pacote Anticrime
O Estatuto do Desarmamento, instituído pela Lei nº 10.826/2003, passou por significativas alterações com a promulgação da Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime. Estas mudanças representam um marco importante na política de segurança pública brasileira, tornando mais rigorosas as penas previstas para o porte e posse ilegais de armas, além de implementar novas ferramentas de controle e fiscalização. Neste artigo, analisaremos detalhadamente o impacto dessas alterações legislativas no Estatuto do Desarmamento e suas consequências práticas para a sociedade brasileira.
Contexto Histórico do Estatuto do Desarmamento
Antes de mergulharmos nas alterações trazidas pelo Pacote Anticrime, é importante compreender o contexto em que o Estatuto do Desarmamento foi criado. Sancionado no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o estatuto surgiu em um momento crítico da história brasileira, marcado por elevados índices de violência urbana e rural. A lei estabeleceu regras rigorosas para o porte e a posse de armas de fogo, restringindo a comercialização e o registro de armas no país, além de instituir penas mais severas para infratores, visando reduzir a circulação de armamentos nas mãos de civis [1].
Um dos marcos mais emblemáticos do Estatuto do Desarmamento foi o referendo de outubro de 2005, quando mais de 95 milhões de eleitores brasileiros foram às urnas para manifestar-se sobre a possibilidade de proibição total do comércio de armas de fogo no país. Embora a maioria (64%) tenha votado contra a proibição completa, o referendo consolidou o tema da redução da violência armada como uma pauta pública e jurídica de extrema relevância.
As Principais Alterações Introduzidas pela Lei nº 13.964/2019
A Lei nº 13.964/2019, também conhecida como Pacote Anticrime, trouxe modificações substanciais ao Estatuto do Desarmamento, com o objetivo de endurecer o combate aos crimes relacionados a armas de fogo. Vamos analisar as principais alterações:
Criminalização Mais Rigorosa
Uma das mudanças mais impactantes foi a inclusão dos crimes de posse e porte ilegais de armas de fogo no rol de crimes hediondos, tanto na forma tentada quanto consumada. Esta alteração representa um endurecimento significativo da legislação, demonstrando a preocupação do legislador com o controle de armas no país.
Além disso, foi criada uma qualificadora para os casos em que for utilizada arma de fogo de uso proibido, com pena de reclusão de 4 a 12 anos. Essa medida visa coibir de forma mais eficaz o uso de armamentos de maior potencial lesivo.
Aumento das Penas para Comércio Ilegal
O crime de comércio ilegal de armas de fogo também sofreu significativo aumento de pena, passando de reclusão de 4 a 8 anos e multa para reclusão de 6 a 12 anos e multa. Esta conduta também foi incluída no rol de crimes hediondos, o que implica em diversas restrições processuais e de execução penal para os condenados por este delito.
Criação do Banco de Perfis Balísticos
Uma inovação importante trazida pelo Pacote Anticrime foi a criação do Banco de Perfis Balísticos, que tem como objetivo armazenar dados relacionados à coleta de registros balísticos. Este sistema visa cadastrar armas de fogo e armazenar características de classe e individualizadoras de projéteis e estojos de munição deflagrados, facilitando investigações criminais e o rastreamento de armas utilizadas em crimes.
Impacto das Alterações no Direito Penal Brasileiro
As mudanças introduzidas pela Lei nº 13.964/2019 no Estatuto do Desarmamento têm gerado transformações significativas no entendimento e aplicação da criminalidade armada no Brasil. O Direito Penal brasileiro precisou adaptar-se a uma legislação mais rigorosa, com o aumento das penas para crimes envolvendo armas de fogo, inserindo-se em uma estratégia mais ampla de controle social e combate à violência [6].
Efeitos nos Tribunais
No âmbito judicial, o impacto das alterações tem se refletido principalmente em questões relacionadas à delação premiada e circunstâncias agravantes. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outros tribunais inferiores têm reconhecido que a posse ilegal de armas não apenas caracteriza um ilícito penal autônomo, mas também pode agravar penas em outros tipos de crimes.
Em decisões recentes, os tribunais têm reafirmado a importância de considerar a gravidade do uso de armamentos ilegais, elevando as penas quando esta conduta estiver associada a crimes violentos [7].
Análise dos Crimes e Penas no Estatuto do Desarmamento Atualizado
Com as alterações promovidas pelo Pacote Anticrime, é fundamental compreender como ficaram tipificados os principais crimes relacionados a armas de fogo e suas respectivas penas:
Posse Irregular de Arma de Fogo (Art. 12)
O crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido continua sendo punido com detenção de 1 a 3 anos e multa. Este crime se configura quando alguém possui ou mantém sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa [8].
Disparo de Arma de Fogo (Art. 15)
O disparo de arma de fogo ou acionamento de munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime, é punido com reclusão de 2 a 4 anos e multa. Este crime é inafiançável, conforme determinado pela ADIN 3.112-1 .
Posse ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito (Art. 16)
Com a redação dada pela Lei 13.964/2019, o crime de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, tornou-se ainda mais grave, sendo incluído no rol de crimes hediondos .
Eficácia do Estatuto do Desarmamento na Redução da Violência
Um ponto importante a ser considerado na análise do impacto do Estatuto do Desarmamento é sua eficácia na redução dos índices de violência no Brasil. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o estatuto contribuiu significativamente para a redução de homicídios no país.
Nos 14 anos anteriores ao estatuto, os assassinatos por arma de fogo no Brasil cresciam em média 5,5% ao ano. Após a implementação do estatuto, observou-se uma redução nessa taxa, demonstrando a eficácia da política de controle de armas na diminuição da violência .
Considerações Práticas para os Cidadãos
Com o endurecimento das penas e a inclusão de crimes relacionados a armas no rol de crimes hediondos, é fundamental que os cidadãos estejam cientes das implicações legais envolvidas no porte e posse de armas de fogo. Vejamos algumas recomendações práticas:
Regularização de Armas
Quem possui armas de fogo deve assegurar-se de que estão devidamente registradas e em conformidade com as exigências legais. A regularização é essencial para evitar problemas com a justiça, especialmente considerando o aumento das penas para crimes relacionados.
Cautela no Manuseio e Armazenamento
O Estatuto do Desarmamento prevê punições para quem deixa de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo. Portanto, o armazenamento seguro das armas é uma obrigação legal que deve ser rigorosamente observada.
Conclusão
As alterações introduzidas pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) no Estatuto do Desarmamento representam um significativo endurecimento da legislação relacionada a armas de fogo no Brasil. Com a inclusão de crimes no rol de hediondos, o aumento de penas e a criação de novos mecanismos de controle, como o Banco de Perfis Balísticos, o legislador demonstrou a preocupação em combater de forma mais efetiva a criminalidade armada no país.
Essas mudanças legislativas têm gerado impactos relevantes no Direito Penal brasileiro, influenciando decisões judiciais e a própria percepção da sociedade sobre a gravidade dos crimes envolvendo armas de fogo. O desafio agora é garantir a efetiva aplicação dessas normas, assegurando que cumpram seu papel na redução da violência e na promoção da segurança pública.
Para os cidadãos, a mensagem é clara: o cumprimento rigoroso das normas relacionadas ao registro, porte e posse de armas de fogo é essencial para evitar sérias consequências legais, ainda mais severas após as alterações promovidas pelo Pacote Anticrime.